terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Fome de leitura

um palco ansioso pela espera, diante de um público faminto de palavras

Até outro dia, Eliane Brum era, para mim, uma jornalista e escritora renomada, vencedora de vários prêmios e respeitada no universo literário por suas publicações. Esta e outras informações a seu respeito me foram transmitidas por meu filho, que fez questão de demonstrar o quanto estava encantado pela leitura de um dos seus livros, intitulado Uma Duas, o qual retrata a relação bastante conturbada e enigmática entre filha e mãe. Hoje, após escutar os relatos e histórias da escritora em Palavras Plugadas, evento que acontece há algum tempo no Teatro Castro Alves, em Salvador-Ba, no qual a cada ano uma personalidade é convidada para um bate-papo, afirmo: conheci uma mulher extremamente sensível, doce e super preocupada em cumprir seu papel nessa sociedade tão dura e muitas vezes até cruel, utilizando a palavra falada e escrita e fazendo jus aos muitos prêmios recebidos pelo reconhecimento da sua obra.

Todos hão de perguntar: “mas o que isto tem a ver com a Gastronomia, gente?” Por incrível que pareça, muito a ver... Saí do Teatro com a garganta seca de tanta sede e o estômago doendo de tanta fome. Sede de conhecer mais sobre essa mulher, que havia me passado tanta doçura e ao mesmo tempo tanta fortaleza e coragem. Fome de degustar suas histórias, seus relatos, seus livros. Durante o bate-papo muitas perguntas foram feitas pelos participantes, todas respondidas com histórias vivenciadas pela autora, com as quais ficaríamos horas nos deliciando. Eliane Brum me fez perceber que tudo que ingerimos ou absorvemos, sejam palpáveis ou não, é o que define nossas reações e para tanto utilizamos todos os nossos sentidos gastronômicos: a visão, o olfato, a audição, o tato e o paladar. E já que o nosso corpo reage conforme olhamos, cheiramos, escutamos, tocamos ou degustamos um prato, nosso estômago poderá agradecer ou não, tudo irá depender de como foi preparado, tocado, apresentado. A apresentação do prato é o início do seu namoro com o nosso corpo, é quando olhamos, salivamos, buscamos o paladar. Se o prato estiver bonito, partimos para ele com tudo... e ainda que muitas vezes o sabor não corresponda à beleza, já nos deliciamos só em olhar, não é verdade? E a beleza do prato varia de acordo com a sensibilidade e criatividade do cozinheiro. Do mesmo modo acontece com as palavras: quem conta, conta o que enxerga, se for real então, sente na pele. E quem as escuta e resolve escrevê-las, faz conforme o que sente. E quem as lê, as absorve conforme a própria percepção. Elas vão sendo construídas pelo olhar, pelo aroma do ambiente, pela forma como são escutadas e tocam à sensibilidade, seja num abraço, num aperto de mão, até no que não se pode pegar, e também pela força do estômago para engolir, até mesmo o que é difícil de ser digerido, como muitos temas de Eliane, revelados em relatos fortes de pessoas quase que em busca de socorro, de mundos distantes, cujo sentido só pode ser captado por pessoas capazes de enxergar além do mundo visível. E quanto à apresentação: deve ser convidativa, prender a atenção, satisfazer os anseios de quem está lendo e de quem se fez ser lido, ou seja, aqueles que emprestaram suas vidas, contaram suas histórias, gritaram seus medos, no caso, por meio das palavras de Eliane Brum.

Finalmente, se associarmos as palavras escritas com a Gastronomia, podemos concluir: quem come um prato gostoso, normalmente pedirá para repeti-lo e quem lê um bom livro, certamente sentirá vontade de ler outro do mesmo autor.

Gastronomia também é cultura?! Ou cultura também é Gastronomia?!

Colaboração: Rosângela, minha cunhada e comadre, a quem agradeço pela revisão deste texto. Obrigada pelo carinho!!!.

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